quinta-feira, novembro 30, 2017

Re-tesado

É como se eu nunca pudesse falar realmente aquilo que penso, da forma que penso, por ser isto e aquilo desqualificado naquele âmbito, naquele lugar. É como se sempre que eu fosse escrever, precisasse vestir uma armadura, uma couraça envernizada, uma camisa de força das minhas formas e ideias... e como se não tivesse ideias, nem argumentos ou discursos.. é como se a minha escrita se dissolvesse no nada, como se nunca alcançasse um patamar de aceitação, de formatação, como se nunca chegasse a ser algo razoável ou possível. Apenas notas de rodapé. Devaneios inúteis, versos dispersos, desperdício de verbo. Nunca tão bom, nunca pronto, nunca certo. Sempre ressentido, magoado, autocentrado, buscando se afirmar. É como se minha voz não tivesse vez, não tivesse valia; é como se minha fala fosse apenas, ou quase, poesia. Como se nunca fosse, sempre no faz de conta, no conto que não se deu conta que nada conta que não seja o argumento preciso, ao modo canônico, na linguagem desadjetivada, neutra e objetiva.

Poema de terras distantes

Como sentir sem dis-trair
ou des-esperar?
palavras paridas do desejo
emitidas
com anseios
a física quântica do medo
sem o quantum do cálculo
move o concreto
matéria vazia, esvazia-da
vaza de "até quando se espera
sem e(xa)sperar?"
Múltiplas linhas férreas
paralelas e perpendiculares
com o trem-bala, maria-fumaça
(o que importa?)
ele vai passar, o amor fulminante
ardente, lancinante, vem.
Quando? Como?
Pra que lado vai e de que lado vem?
Virá adiantado ou atrasado?
Re-tarda? Vem?
Ator-doada ardo,
ainda que doa, doo
dualada e aturdida.

Sabedoriar, saber esperar
sem deixar de sentir aquilo
que dá lugar ao saborear
Sabedoriar, saber esperar
para saborear - petiscos, degustação
ensaiar o sabor do amar
ensaio do saber esperar o amor
ajustar o passo ao sabor do vento

Des-esperar sem desesperar
a esperança serena, acena
de um fogo ardente
fogo, ar, águardente
o gole que acalma
o respiro que restaura
o calor que mantém a vida
em sua chama mais primitiva:
o desejo chama potente
ao agenciamento das forças moventes

Re-esperar
Res-pirar
Re-parar
Re-amar

Indícios suspeitos
suspiropeitos
merengue adocicado
de morangos suculentos e inflamados
suspiropeitos, suspiroleitos

Pre-encher, dis-trair?
ex-vair esvaziar aqui
Se diz trair, se cala amar
Dizer o amor, se leal dar.

Dos fragmentos poéticos-sonoros com Flora Holderbaum

Um homem

Se a mulher tem quatro fases e suas luas, um homem tem mil faces, mil fatos e mil foices. Muitos ele é, cada dia a metamorfosear-se, novas perspectivas a adotar, outras posições a contrabalancear - engana-se quem pensa que um homem é um ser constante, uno e previsível! - seu mundo, metafísico, é sempre nova soma dos seus elementos, abstrusos e abstratos, oculto também do advento desta alquimia. Mil faces escondidas, mascaradas e adormecidas. Um homem, mil faces, alquimia, obra sempre ao negro, na procura de tornar-se ouro. Reluzente estrela, que ofusca as cercanias, numa tentativa deveras inútil de tornar as coisas objetivas e claras... De onde viria esta necessidade maníaca de separar todas as coisas, de organizar e classificar, de produzir, obter e ganhar, de decompor e analisar, de se impor e destratar? Vontade de poder ou desejo de amar?

Sentido da poesia

 Alguém me disse que a poesia precisa ter sentido, dizer coisas conexas, senão, não é poesia. O que é ter sentido?  Que sentido é esse que s...