quinta-feira, abril 29, 2010

Dual

Sempre aos meios
pela metade vou sendo
uma que acorda
e a outra que permanece em sonhos
uma que é carne
e a outra intangível
um algo que eu me sei
e algo outro tão estranho
um sem começo e um também sem fim
um estar ao meio
pela metade do caminho
sem saber se cá ou lá
direita ou esquerda
boa ou má
lúcida ou louca
uma lua pela metade
que desconhece seu lado escuro
e talvez aonde está sua luz-cidez...
que outra face
uma segunda pele
uma nuca desconhecidamente minha que me acompanha
um interno do qual só conheço o sangue
nunca o além
mas que tenho certeza que há
que está constantemente aqui
do qual só conheço este instante
presente e espacial:
sou dual

quinta-feira, abril 22, 2010

Mais sobre amor

Cantos belos
aqueles que falam do amor
amor em suas infinitas formas e beleza
Pois o amor permeia tudo o que há
e fertiliza o coração dos humanos
Há o amor pela vida, pela natureza
pelas flores, e pelos rios
e há o amor dos amantes
o amor entre a família e os irmãos
mas há o amor ainda maior
o amor a tudo e a todos
o amor imanente
que irradia do grande centro gerador da vida
presente no ar, no sopro vital
presente em espírito
transcendental
Eis o amor capaz de unir
tornar todo o múltiplo em um só
E também o mais difícil
pois requer grande desapego
entrega
Eis o amor de que se falou
no velho Livro
e o maior ensinamento que recebemos
decodificado, inspirado divinamente
Um amor que requer dissolução do "eu"
do "meu", do "teu"
amor que atravessa as paredes, os muros,
as propriedades, as igrejas e as classes
Quem poderá conhecê-lo?...

segunda-feira, abril 19, 2010

Coroação


Grande esforço tenho feito
para aceitar tal qual brilhante
cada novo fio branco
que em minha cabeça irrompe e cintila
coroando-me com pingos de sabedoria


(imagem: Paul Gauguin)

quarta-feira, abril 14, 2010

Em um tempo


No tempo em que eu me vi
eu não sabia o que eu era

eu era aluna
eu era professora
eu era desempregada
eu era desutilizada

eu era mãe
eu era esposa
eu era separada
eu era juntada

eu era filha
eu era orfã
eu pilotava carro
eu pilotava fogão

eu filosofava
eu limpava o chão
eu criava coisa
e me desconstruía a cada dia

habitava uma construção quadrada
com portas e janelas
usava calça feita de jeans
e um par de tênis

bebia café
e comia enlatados
mas também colhia frutas
e cheirava flores

via filas de carros
filas de gente
filas de ruas, casas
filas de livros e letras

via muros
e via estrelas

nesse tempo eu era algo
de individual
que a tudo se misturava
eu não sabia o que eu era

talvez porque eu não fosse
ou eu era

eu era nada!


(imagem: Salvador Dalí)

terça-feira, abril 13, 2010

O que sou

Me deixaram ser

tudo aquilo que eu poderia

mas eu quis ser

apenas aquilo que eu era

Som, imagem e sabor


Quanta coisa despertou meu desejo
pelo nome que lhe era dado
e pelo meu imaginário

ao conhecer a coisa em si
e provar-lhe
um desapontamento
diante de algo
que não aguçara meus sentidos

nada de bom como eu via
nos olhos de quem dizia

Cat-chup foi uma delas
queria entender porque
se falava tanto sobre esse algo delicioso...

"Mãe, compra cat-chup?"
"mas, é isso cat-chup?"

Qual a metafísica do cat-chup?
O que há nele que eu não senti?
Apenas um nome? uma imagem?
Uma questão de mau gosto?

Quanto a linguagem nos ludibria
e quanto os sentidos nos revela!


(imagem: Edvard Munch)

segunda-feira, abril 12, 2010

Aquilo que há


Sem as explicações devidas

tudo permanece suspenso no ar

mas não há nada mais verdadeiro

que aquilo que se vê no fundo do olhar


(imagem: Leonardo da Vinci)

quarta-feira, abril 07, 2010

Criar a Ação


Procuro algo dentro de mim
algo que me saia
de forma crua
sem muita arquitetura
sem enfeites e molduras

Muito vi do erudito
pouco do autêntico
O que trouxe novos estilos
trouxe-o porque criou

Onde está a perdida arte de criar?
Como aniquilar a falsa maquiagem
que traz por trás a cópia?

Será necessário parar de devorar cultura?
Aprender a ruminar?
Digerir?
Ruminar e digerir
a cultura alheia ou a mim mesmo?
Como tocarei este instrumento?
Como soltarei a voz?
Como pincelarei as tintas?
Como encaminharei os dedos?
a caneta?

Que céu quero contemplar:
o céu já visto e dito
ou o céu como ninguém viu,
ou talvez viu e não exprimiu?

E que sentimento quero cantar?
O das novelas, dos romances?
Ou esses inauditos
aqui calados
aqui refugiados?

Quero esse meu desconhecido
Quero esse teu desconhecido
Quero o nosso que é só nosso
Que é novo
por ser tão antigo...


(imagem: Wassily Kandinsky)

terça-feira, abril 06, 2010

Cultivo


Todos os dias
ou sempre que podia
olhava para o céu
para contemplar o brilho das estrelas...
tão belas
tão reluzentes
e tão distantes

queria cultivar estrelas
em seu jardim

trazer aquele brilho para perto de si
mas não havia como capturá-las...
nem com fotos
nem pinturas
ou poesias

eram apenas para ser contempladas

cansou de não possuí-las
decidiu cultivar flores
em seu jardim...


(imagem: Henri Matisse)

Sentido da poesia

 Alguém me disse que a poesia precisa ter sentido, dizer coisas conexas, senão, não é poesia. O que é ter sentido?  Que sentido é esse que s...