sexta-feira, dezembro 01, 2017

Ensaio I

Decidi falar como as palavras me ocorrem: sou de inspiração lispectoriana. Escrever o que me advém, não para o proveito de outrem, ou para a minha edificação, menos ainda para vossa análise; decidi falar apenas por deleite e volúpia, porque me dá prazer escrever juntando palavras rolando ao vento. Sou também de inspiração montaigneana (não posso negar). Esse prazer de costurar sons e símbolos, tacando o foda-se para toda regra e ordem eclesiástica, é algo como um longo e reconfortante suspiro, que abre meu peito e revigora cada molécula que em mim vibra. Não que eu creia em mim e naquilo que digo, mas apenas porque falar ou escrever é o meu exercício predileto, ginástica de pescar e contorcer palavras, sentidos, impressões... É tanta opressão e dever que talvez seja o espaço da folha em branco um dos únicos que resta de liberdade plena. Sim, de poder. escrever é um tipo de poder, porque é criação. Não a partir do nada, mas a partir de tudo aquilo que já existe, cada letra, sílaba, palavra e frase; cada tecla que vou tocando e formando a minha tela: a escritura possui intensidades, sons, odores, formas, paisagens... é uma viagem na velocidade da luz, ou das ideias dissolutas, que passeando pelo vento da minha mente capturo e trago à letra. É divertido. Mas também pode ser doído. De repente posso mudar de trajeto ao lembrar de algum ocorrido que volta e meia ou volta inteira retorna em minha memória e pelas palavras vira carne viva. Como aqueles problemas que agente não consegue resolver, como quando machuca alguém ou se sente injustiçado. É tanto sofrimento que prefiro agora deixar apenas pra ilustrar a potência da prosa, do passeio grafo-guiado, e das infinitas possibilidades do papel ou da tela em branco. E porque também a vontade de conversar às vezes é tamanha que esta trama da escrita é quase que uma companhia, é mais que uma companhia. Pensando bem, a possibilidade de escrever e publicar, de ser lida e com uma leitora ou um leitor dialogar, é algo que multiplica o prazer da escrita, especialmente quando me sinto compreendida, quando há um diálogo da alma, não porque falei coisas verdadeiras ou salvadoras, mas porque no meu instante-já toquei o instante-já de outra pessoa, e isso da escrita é realmente uma coisa boa.

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